segunda-feira, setembro 04, 2006

O estado de direito acaba à porta do futebol?

O "caso Mateus" prossegue, surpreendendo a cada episódio. Os juristas e especialistas em direito desportivo encarregar-se-ão, se conseguirem, de explicar tecnicamente a sinuosidade do que se está a passar.Visto de fora, encontram-se vários motivos de perplexidade.
1. As instituições que gerem o futebol são um verdadeiro Estado dentro do Estado. É normal que, até certo ponto, possuam regras próprias e órgãos internos de justiça paralelos aos do Estado. Mas não se percebe que essa autonomia seja total, impedindo o recurso para tribunais comuns depois dos órgãos próprios actuarem.
2. Esta "matrioska" de poderes não conhece fronteiras. A FIFA, uma verdadeira empresa multinacional cujo presidente foge dos jornalistas quando o questionam sobre suspeitas de corrupção, também põe e dispõe sobre a articulação jurídica entre o futebol e o resto. A FIFA pressiona a FPF. Esta pressiona os clubes, o Governo, o Estado e quem tiver que ser pressionado para que tudo seja feito à vontade dos altos e inquestionáveis poderes da FIFA. No final da cadeia, quem escrutina a FIFA e as regras que ela criou? A quem responde esta entidade que mexe com milhares de milhões de euros e de adeptos? Aparentemente ninguém: nem a justiça nem os tribunais dos Estados de direito.
3. Se o pecador é o Gil Vicente, que recorreu aos tribunais civis quando não podia (e nem isto é pacífico para os juristas), porque é que a penalização há-de recair sobre terceiros, da selecção aos clubes que participam em competições internacionais? A única coisa que faz sentido é que o Gil Vicente sofra todas as consequências das suas acções.
4. Ameçar com penalizações a terceiros chama-se chantagem. Chantagem intolerável, que tenta pressionar o Gil Vicente a recuar de um recurso aos tribunais comuns que muitos consideram legítimo. Pretender atirar para o clube o ónus de eventuais danos que sejam sofridos por terceiros é perverso e inaceitável. Se alguém comete um crime, não podem ser os familiares ou os vizinhos a ir para a cadeia. As ameaças e penalizações sobre terceiros inocentes são práticas próprias de ditaduras. Em Estados de direito, são métodos associados a organizações que funcionam à margem da lei. Se a lei permite isto, a lei deve ser mudada.
5. A este "terror" jurídico e regulamentar instituído no mundo do futebol todas as autoridades assistem como a maior das naturalidades. Do governo aos tribunais, das entidades nacionais às comunitárias. Estas disposições estão de acordo com os princípios da Constituição e dos tratados europeus? Qual é o limite para a criação de autênticos "buracos negros" nas regras do Estado de direito? Que grupos organizados podem criar as suas próprias leis e tribunais? E é legítimo que indivíduos e organizações abdiquem, sem possibilidade de retorno, dos direitos fundamentais de recurso à justiça do mundo real? Ou que sejam obrigados a desistir desse direito em nome de uma qualquer "normalidade futebolística"?Se, em consciência, os dirigentes do Gil Vicente sentem que têm a razão do seu lado devem ir até ao fim. Se alguma coisa acontecer às provas internacionais de outros clubes ou da selecção portuguesa, essa culpa não será deles. É apenas de regras e dirigentes que punem terceiros inocentes como se fosse a coisa mais natural do mundo.
Fonte: Público

4 comentários:

angelofpromise disse...

Já não basta os telejornais dedicarem 30m a este assunto, os jornais 3 a 4 páginas... agora também todos os blogs nacionais a falarem do mesmo. Será que ninguém se cansa das novelas portuguesas futebolísticas?????????

Joel Azevedo disse...

Muito bem visto maninha,

Prometo que esse assunto jamais voltará a ser tocado, por mim, neste blog.

Beijocas e bem vinda a este Blog


Joel Azevedo

Orlando Castro disse...

Aproveitando a boleia do futebol, que não do Estado de Direito (que não existe), junto a lembrança de que Angola vai ser a sede do Campeonato Africano das Nações de 2010.

Anónimo disse...

Inteiramente de acordo. Realço só o facto de não ser só o futebol, ou melhor, o busilis da questão neste caso não o futebol mas sim a politica.
Se não estivessem muitos politicos comprometidos, e se alguns dos dirigentes não fossem também politicos, provavelmente já estava tudo resolvido.
A grande questão de base é que somos um pais de compadrios, e em que tudo se move e faz com base em influências e conhecimentos, juntamente com a acumulação de cargos e afins.
Ok mas depois vamos mas é bater na bola, porque na bola é que está tudo mal, aliás nem há Isaltinos nem nada do género.